Talvez um dos grandes erros da igreja evangélica brasileira atual seja o proselitismo. Pejorativamente, chamada de “pescar no aquário do vizinho”, esta ação implica em angariar crentes de uma denominação para outra. Isso se dá porque cada denominação tem sempre “algo melhor” a oferecer do que sua “concorrente”. Com isso, alguns grupos tem claramente buscado crentes em outras igrejas a fim de aumentar o contingente de suas comunidades.
Todavia, entendo que biblicamente esta prática seja contrária à vontade de Deus. Ao pensarmos em evangelização, jamais encontraremos nas Escrituras a proclamação do nominalismo, mas sim o anúncio da pessoa de Cristo.
Paulo, o maior de todos os evangelistas foi claro ao escrever que quando se tratava de evangelizar, sua preocupação era alcançar aqueles que ainda não haviam ouvido, e consequentemente, crido: “esforçando-me, deste modo, por pregar o evangelho, não onde Cristo já fora anunciado, para não edificar sobre fundamento alheio” (Romanos 15:20).
É neste sentido também que a SEMIPA (Semeadores Missionários com Paixão pelas Almas), uma organização missionária da Assembleia de Deus do Nordeste brasileiro adverte em seu site: Infelizmente muitos líderes e pastores que dizem ter “visão missionária”, na verdade, só estão interessados em abrir novas frentes de trabalho apenas dentro de suas cidades ou, no máximo, em lugares onde é possível obter algum retorno financeiro e uma congregação cheia de membros em curtíssimo prazo.
Geralmente, isso só é possível em regiões onde o Evangelho já está fartamente semeado e, na maioria dos casos, os “novos” crentes que se filiam a essas congregações já eram membros insatisfeitos vindos de outras igrejas. Ora, esse tipo de crescimento na verdade é ilusório, pois não produz nenhum acréscimo ao reino de Deus. Esse tipo de atividade é como querer pescar no aquário do vizinho e não tem apoio bíblico.
Creio ser clara a ideia de que o proselitismo é contrário ao ensino da Palavra de Deus. Sabemos que os que devem ser evangelizados são aqueles que ainda não entregaram suas vidas a Cristo, em suma, devemos anunciar a Cristo aos que não são cristãos. Diante desta afirmação, e pensando em nosso país, uma pergunta se faz necessária: e os católicos? São eles alvos da evangelização? Afinal este é o maior grupo religioso do Brasil com aproximadamente 70% da população. Estaríamos fazendo proselitismo ao evangelizar um católico?
Entendo que se esta pergunta fosse feita aos protestantes há 30, 40 anos, a maioria diria, sem titubear, que sim, devemos evangelizar os católicos. Todavia, em nossos dias, isso pode soar perigoso. Para ser mais direto, esta “batata quente” tem sido evitada em muitos círculos evangélicos. Todavia, não há como negar que aproximações entre evangélicos e católicos tem ocorrido. Há muitos grupos afirmando inclusive que, os ensinamentos católicos são tão cristãos quanto os evangélicos e que as diferenças existentes são insignificantes.
Muitos, com este pressuposto, tem buscado a “reconciliação” entre católicos e evangélicos. Apenas para mencionar alguns, poderíamos citar o Conselho Mundial de Igrejas, o movimento norte-americano Evangelicals and Catholics Together, além de outros segmentos dentro de denominações evangélicas como Anglicanos e Metodistas, têm admitido uma aproximação entre as partes.
Na cristandade é comum que a maioria se autodefina como cristã, todavia é imprescindível que se diga que cristãos de verdade são aqueles que, por meio da fé no sacrifício vicário de Cristo, entregaram suas vidas a Ele e tem-no como seu Salvador e Senhor. Nunca é demais afirmar que o fato de a maioria se utilizar do termo “cristão” não quer dizer que isso seja realidade. O próprio Cristo foi categórico neste aspecto: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus, mas sim o que faz a vontade de meu Pai, este entrará no Reino dos Céus” (Mateus 7:21).
Que evangélicos e católicos se denominam cristãos é inegável. Mas será que, em essência, o evangelho proclamado pela igreja católica é o mesmo anunciado pela igreja reformada? Que existe mais de um “evangelho” não há dúvida. Pelo menos isso é o que diz Paulo nas Escrituras: “Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho…” (Gálatas 1:6). Entretanto, ele ao advertir irmãos gálatas escreve na sequência que o evangelho verdadeiro é um só: “…o qual não é outro, senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo” (Gálatas 1:7). Não há dúvida, portanto, que existem “evangelhos” falsos por aí. Resta-nos identificá-los.
Creio que é de conhecimento de todos que católicos e protestantes se separaram há quase 5 séculos, exatamente por questões concernentes ao evangelho. A grande pergunta é: podemos hoje, desconsiderar a história e os motivos pelos quais esta separação ocorreu? Entendo que esta questão seja fundamental, afinal, devemos identificar quem realmente são os cristãos para não os confundirmos com o real alvo da evangelização, que são, obviamente, os não cristãos. E, a fim de que saibamos se católicos e evangélicos creem verdadeiramente no mesmo evangelho, devemos compreender os ensinamentos de cada grupo.
Existem muitas diferenças significativas entre protestantes e católicos e, elas são tantas que se fôssemos abordá-las, livros teriam que ser escritos (como já foram). Todavia, ao compararmos o âmago das duas doutrinas, veremos que as divergências que ocorreram durante a história (e que hoje, é importante que se ressalte, ainda permanecem) são extremamente significativas. Ainda que haja pontos congruentes, as diferenças que existem estão diretamente ligadas ao cerne do evangelho: a salvação da alma e a maior necessidade do ser humano. E não há nada mais importante na vida de uma pessoa do que seu destino eterno. Afinal, o que é o evangelho, se não a oferta de salvação eterna dada em Cristo à humanidade?
Vejamos, então, quais são as diferenças fundamentais entre católicos e protestantes. Diferenças estas que são irreconciliáveis:
A diferença quanto a Bíblia:
A grande maioria dos católicos, e porque não dizer também dos evangélicos, desconhece a visão Católica Romana da Palavra de Deus. Conquanto haja um consenso quanto à inspiração divina, ao conteúdo do Novo Testamento e a maioria do Velho, católicos e evangélicos divergem quanto à autoridade única e exclusiva das Escrituras.
Os evangélicos creem no princípio da Sola Scriptura, que afirma ser a Bíblia, o único “documento” deixado por Deus para que possamos conhecer Sua vontade. A igreja romana, por outro lado, acredita que ela, como sendo a “verdadeira” igreja de Cristo tem tanta autoridade quanto a Bíblia.
Esta diferença é crucial, pois é a partir dela que os ensinos de cada igreja deverão ser verificados. Se a igreja tem o mesmo poder da Palavra de Deus, então ela pode estabelecer doutrinas assim como as encontradas nas Escrituras. E não há dúvida que, por muitos anos, a igreja romana usou deste princípio para instituir vários de seus ensinos. Conquanto haja erros também dentro da igreja evangélica, em suas diversas denominações, a ideia de que ela possua autoridade para instituir novas doutrinas não faz parte de seus ensinamentos, pelo menos daquelas que professam a Sola Scriptura.
A diferença quanto à salvação:
Outra diferença fundamental entre católicos e evangélicos está na questão da salvação da humanidade. Conquanto evangélicos entendam que a salvação seja uma obra exclusiva de Deus, realizada gratuitamente por Cristo (Ef 2:8-9), sem o envolvimento do mérito humano, a igreja romana argumenta que as ações humanas são necessárias para a salvação.
É neste quesito que a justificação exclusiva pela fé (crida pela igreja protestante) diverge da justificação pelas obras, como prega a igreja católica. E, biblicamente, não há como haver 2 meios diferentes de salvação. Graça e obras são antagônicas. A Bíblia diz, claramente que a humanidade só pode ser salva e justificada pela graça: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2:9). “Visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (Romanos 3:20). “De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé” (Gálatas 3:24).
Em suma, a salvação pela fé é o princípio geral das Escrituras, e o que diferencia o cristianismo de todas as demais crenças. Há, como já mencionamos, outras diferenças importantes. Todavia, como nosso propósito neste texto é analisarmos quem deve ser o alvo da evangelização, creio que estas duas (principalmente aquela que diz respeito à salvação), são suficientes para respondermos a questão: católicos devem ser alvos da evangelização?
Resta, a cada um de nós, diante das evidências, respondermos.
Marco Sales